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Ateísmo é Crença?

Ou… Descrença é Crença?

Vemos com freqüência a afirmação de que o ateísmo é uma crença e também de que as pessoas “crêem na ciência” da mesma maneira que os crentes crêem na sua religião. O erro é tão comum, principalmente na blogosfera (até mesmo entre os céticos), que o assunto merece um tratamento particular.

Esse mal-entendido é provavelmente causado por um conjunto de razões:

1) o múltiplo sentido do verbo “acreditar” que leva a uma incompreensão do que é crença;
2) uma má compreensão do que é a ciência e como funciona o método científico;
3) dificuldade de compreender a ausência de crenças;
4) desejo de equiparar crentes e descrentes como tentativa de anular as críticas destes àqueles;

Comecemos pelo dicionário, vejamos o que diz o Aurélio…

Semanticamente

descrença 1

[De des- + crença.] (prefixo des- indica ausência, falta)

1.Falta ou perda de crença; incredulidade.

crer

Verbo transitivo direto.

1.Ter por certo; dar como verdadeiro; acreditar:
“Crê apenas aquilo que a razão explica.”
2.Ter confiança em; aceitar como verdadeiras as palavras ou afirmações de:

3.Julgar, presumir, supor:
“Há cerca de um mês que não o vejo: creio que se mudou.”

Verbo transobjetivo.

4.Julgar, reputar, supor:

Verbo transitivo indireto.

5.Ter confiança; ter fé; dar crédito:

“Creio em ti, Deus” (Almeida Garrett, Folhas Caídas, p. 69)
“Creio na minha Pátria e no meu povo.” (Teixeira de Pascoais, D. Carlos, p. 18)
“O crente evangélico não teme o Purgatório, porque nele não crê” (L. Lavenère, O Padre Cornélio, p. 169).

Verbo intransitivo.

6.Ter fé, ter crença (sobretudo religiosa).


(As definições acima foram retiradas da versão online do Aurélio porém numa forma resumida, sem a maioria dos exemplos.)

A acepção nº 1 pode ser usada em sentido religioso ou não. A acepção nº 5 é mais usada no sentido religioso e a nº 6 é sua versão intransitiva. A acepção nº 3 aumenta a confusão permitindo que “crer” também signifique “supor”. Pelos exemplos vê-se que a mesma acepção do verbo é usada tanto para se dizer “creio em deus” como “creio na pátria“. Filosoficamente são coisas diferentes, envolvem posturas, intenções e estados mentais diferentes. Daí a confusão toda.

O dicionário sozinho não é suficiente para esclarecer a questão que, vê-se, ultrapassa os limites da semântica.
Analizemos então por outro ângulo…

Filosoficamente

Em princípio não é possível provar que algo não existe; podemos, no máximo, supor com algum grau de segurança que algo não existe se sua existência violar as leis naturais conhecidas. Porém, é possível provar-se que algo existe por isso o ônus da prova recai sobre quem afirma que algo existe. Portanto, manda a prudência que se permaneça neutro, aguardando provas. Se não fosse assim estaríamos todos acreditando na existência de todas as entidades mitológicas já inventadas e qualquer coisa que fosse dita seria tomada como verdade.
Por exemplo, supõe-se que o Pé-Grande não exista, que seja uma entidade mitológica. É possível, embora pouco provável, que exista um animal ainda desconhecido que tenha dado origem ao mito. A postura mais séria, comedida e responsável é presumir que tal criatura não exista pois não existem provas convincentes da sua existência.

O que é Crença?

Crer, no sentido utilizado pelos que crêem em religiões, significa “aceitar alguma coisa como sendo verdade mesmo sem prova nenhuma”. Tanto é assim que crentes se orgulham de crer sem provas, chamam isso “fé” 2. Crer é desejar que algo seja verdade. O crente deseja tão intensamente que algo seja verdade que passa a fingir que aquilo em que acredita de fato é verdade. Cria fantasias e vive nelas. Por isso o crente não está aberto a provas e rejeita qualquer argumentação contrária ao que deseja que seja verdade.
Por ter necessidade de acreditar o crente permanece teimosamente nas suas crenças e rejeita contestações e mesmo fatos que comprovam que está errado. Essa postura o leva a imaginar que a teimosia do descrente em exigir provas concretas para tudo também tem origem numa crença! Ou seja, pensa “Sou teimoso porque tenho fé. O descrente é teimoso, logo, tem fé”. O erro do raciocínio está no fato de que a fé não é a única causa possível para a teimosia 3.

Se o crente deseja que algo seja verdade é provavelmente porque tem necessidade disso e se tem necessidade é provavelmente porque não consegue aceitar um mundo que não corresponde a suas expectativas. Aparentemente o crente precisa da crença por não conseguir aceitar a realidade como ela é. Existe também outro fator: a inércia. A grande maioria foi criada assim então permanece assim – não há razão para mudar.

O descrente não deseja intensamente que o Pé-Grande não exista, não tem necessidade psicológica de que ele não exista, não precisa que se verifique a sua inexistência para ser feliz, por isso não se verifica uma situação semelhante à anterior; é totalmente incorreto dizer-se que “acreditamos na inexistência de tal criatura” e que, portanto, a postura cética é uma crença – pelo menos enquanto se usa o verbo “acreditar” no mesmo sentido que o religioso. A postura cética é uma postura de quem aguarda provas irrefutáveis e que, agindo assim, defende a verdade.

É como se, incapaz de aceitar a morte como um fato, uma pessoa passasse a negá-la, afirmando que viverá para sempre. Este exemplo provavelmente não se verifica na prática pois é facilmente constatável que a morte é um fato. Alguém que afirmasse que a morte não ocorre seria chamado de louco. Contudo, o exemplo não é totalmente irreal, pois diante da impossibilidade de negar a morte algumas pessoas contornaram o problema inventando uma vida após a morte. Conseguem assim negar a morte. (O ser humano é mestre em distorcer fatos e definições para que se adeqüem a seus desejos!)
É o medo de morrer, o medo do desaparecimento total, que estimula nossa mente a criar fantasias 4 do que poderia ser e, num passo seguinte, passar a ver esse desejo como verdade.
Esse auto-ilusionismo funciona melhor ainda se essa pessoa estiver junto de outras que compartilham os mesmos desejos; tudo fica mais fácil e um dá apoio ao outro, quando um fraquejar na auto-enganação os outros podem ajudá-lo a voltar “para o caminho da fé”. Pois isso é a fé: o desejo intenso de que algo seja verdade. Quanto mais uma pessoa consegue acreditar nas fantasias que criou maior é a sua fé.
Para o crente, o melhor dos mundos seria que todas as pessoas tivessem as mesmas fantasias pois tudo seria mais fácil – uma histeria coletiva. Nesse contexto a existência de pessoas que rejeitam as fantasias do grupo constituem uma ameaça. É provável que muitos crentes, no fundo, saibam que se enganam e a existência de descrentes os lembra disso. Os descrentes podem levar alguns crentes a pensar, se pensarem verão que suas crenças não passam de fantasia; os descrentes os acordam do sonho e os chamam à realidade. “São uma ameaça. Convertê-los é preciso. Combatê-los, se necessário.” Os combatentes, claro, são vistos como heróis.

Crer é fazer das suas fantasias a sua realidade particular. O crente vive num mundo idealizado por escolha própria, tem profunda necessidade disso e, talvez por isso, tenha dificuldade de entender um mundo sem crenças – veja-se por exemplo esta frase colhida de um blog: “Mas não consigo conceber alguém que não tenha uma própria “crença” acerca de uma “força superior”“. Se o crente não entende a ausência de crenças pensará que a descrença é também uma crença. Por outro lado, supor a existência de um deus é diferente de crer num deus, assim como é possível supor-se a existência de um animal que tenha dado origem ao mito do Pé-Grande mas isso não é fé religiosa, é suposição.

Vivendo no mundo das suas queridas e acalentadas fantasias o crente se sente seguro, protegido e feliz. E daí vem sua conclusão de que os que não vivem no mundo de fantasias são infelizes. Mas aqui já entramos no terreno do subjetivo. É possível determinar se algo é verdade ou não mas não se pode determinar se é melhor viver conhecendo a verdade ou viver na ilusão. Isso já é uma questão de preferência pessoal 5.

Aceitar que se vive num mundo de fantasias é algo extremamente doloroso para os crentes pois implica em aceitar que seus pais mentiram, e que eles próprios mentiram a seus filhos, e que todos os seus entes queridos desaparecerão e também eles, e que portanto jamais se encontrarão de novo. A idéia do desaparecimento total e suas implicações é horrível, concordo. Mas se o desaparecimento total for um fato, viver num mundo de fantasia não irá mudar a realidade.


Resumo

Crente Descrente
Deseja que sua idealização seja verdade Deseja encontrar a verdade
Aceita afirmações sem provas Exige provas concretas
Idealiza o mundo a priori Descobre o mundo e o aceita como ele é; permanece neutro enquanto isso não ocorre
Não aceita contestações As contestações o ajudam a descobrir a verdade
Rejeita fatos que comprovam que está errado Fatos e provas levam à verdade


_


O quadro acima resume as diferenças na postura de crentes e descrentes deixando mais clara a diferença entre “crer” e “descrer“.


Conclusão

“Descrença” significa “ausência de crenças” e não “crença na inexistência do objeto da crença”. Afirmar o contrário é, portanto, um erro de raciocínio – uma falácia.

"Apenas anseio a verdade incondicional, tenha ela qualquer nome ou ideologia" Faces da Liberdade

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